Aborto no Brasil e suas hipóteses. Recentemente um caso de estupro ficou notoriamente conhecido. Uma menina de dez anos, moradora do município de São Mateus/ES, deu entrada no hospital da cidade após sentir-se mal, em 08/08/2020. Os médicos então pediram exames e constataram que a menina estava grávida de aproximadamente 22 semanas. Em conversa com os médicos a criança relatou que sofria abusos sexuais, por parte do seu tio, há 04 anos.
Após isso, foi iniciada a batalha jurídica para conseguir a permissão em realizar o aborto. O procedimento foi autorizado pela justiça e ocorreu no município de Recife/PE em 16/08/2020 e, um dia após, a menina recebeu alta do hospital. O tio, suspeito pelo crime, foi preso em 18/08/2020, após, supostamente, ter confessado o crime. Ele foi indiciado pelos crimes de ameaça e estupro de vulnerável, ambos praticados de forma continuada.
A prática do aborto está prevista nos artigos 124 a 127 do Código Penal (Decreto Lei nº 2848/1940) e sua pena pode alcançar, na forma mais grave e qualificada, até 20 anos de reclusão.
Segundo dados registrados pelo Sistema de Informações Hospitalares do SUS, do Ministério da Saúde, o Brasil registra ao menos seis abortos por dia em meninas de 10 a 14 anos.
Contudo, existe hipóteses em que o aborto é permitido e estas estão elencadas no artigo 128 do mesmo diploma legal. Vejamos:
Art. 128 – Não se pune o aborto praticado por médico:
Aborto necessário
I – se não há outro meio de salvar a vida da gestante;
Aborto no caso de gravidez resultante de estupro
II – se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.
Além destas duas possibilidades, em 2012, um julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) estabeleceu que é permitido interromper a gestação quando se verifica que o feto é anencéfalo. Um bebê que nasce com anencefalia pode ser natimorto (quando o feto morre dentro do útero da mãe ou durante o parto) ou sobreviver apenas algumas horas ou dias. Não há cura para a anencefalia.
Portanto, quando a gestante encaixar-se num desses 03 casos ela terá direito de realizar gratuitamente o aborto legal por meio do SUS (Sistema Único de Saúde) e não necessita de decisão judicial, tampouco de boletim de ocorrência. Qualquer mulher pode ter acesso ao serviço, desde que se apresente ao SUS com um laudo de equipe médica atestando o risco da gravidez para sua saúde, a compatibilidade da gravidez com a data do estupro ou a anencefalia do feto.
No caso desta menina, precisou-se de decisão judicial, pois o primeiro hospital a ser procurado pela família recusou-se a efetuar o aborto em virtude do feto ter 22 semanas e pesar 537 gramas, sendo que o limite imposto pelo Ministério da Saúde é de 20 semanas de gestação, ou 22 caso o feto pese menos de 500 gramas, nos casos de estupro. Com tudo, em sua decisão, o magistrado afirmou que até mesmo em gestações mais avançadas e decorridas de estupro, o aborto é permitido.
Portanto, do ponto de vista jurídico, e levando em consideração o Código Penal, não há limite de tempo de gravidez ou peso do feto que impeça a realização do aborto legal.
Sarandi/RS, 10 de setembro de 2020.
Por José Paulo Lorenzi Júnior, Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais, especialista em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho, Direito Previdenciário e Direito da Família.
Fontes:
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm