DESCAMINHO X CONTRABANDO: UMA RÁPIDA REFLEXÃO SOBRE OS DOIS TIPOS PENAIS

DESCAMINHO x CONTRABANDO

Vamos iniciar este estudo como uma indagação: a importação ilegal de cigarro configura o crime de descaminho ou contrabando?

Antes de respondermos à pergunta, vale destacarmos que descaminho e contrabando, até poucos anos atrás, referiam-se ao mesmo crime. Foi só no ano 2014, com a alteração no Código Penal promovida pela Lei 13.008, que eles acabaram se tornando dois tipos penais autônomos.

A diferença fundamental entre eles é que contrabando é a conduta de importar ou exportar mercadoria proibida, enquanto o descaminho, por sua vez, trata de mercadorias permitidas, sobre as quais não é observado o pagamento do imposto devido pela entrada, saída ou consumo.

Vinho, por exemplo, trata-se de um produto permitido no Brasil, porém, o não pagamento do imposto aduaneiro devido pela importação irá configurar o crime de descaminho, art. 334 do Código Penal. Agora, imaginemos um defensivo agrícola que seja permitido no outro país, mas proibido aqui no Brasil. Nesse caso, estaremos diante de um contrabando, art. 334-A do mesmo Diploma.

Respondendo ao questionamento inicial, se partíssemos de uma análise menos aprofundada, poderíamos concluir que a conduta caracterizaria o crime de descaminho, tendo em vista que o cigarro é uma droga lícita no Brasil. Porém, não é bem assim. Na verdade, a resposta é: depende. Depende da marca do cigarro.

A legislação brasileira estabelece algumas restrições acerca da fabricação e importação de cigarros, condicionando a legalidade da comercialização dos produtos ao cumprimento de certas exigências.

O Decreto nº 6.759/09, por exemplo, que regulamenta a administração das atividades aduaneiras, e a fiscalização, o controle e a tributação das operações de comércio exterior, estabelece em seu artigo 600 que “é vedada a importação de cigarros de marca que não seja comercializada no país de origem”. A lógica por trás da norma é que se o produto sequer é comercializado no próprio país onde é produzido, não há sentido para se permitir a entrada no Brasil e, portanto, a importação da mercadoria é proibida.

Na mesma linha, o art. 1° do DL 1.593/77 determina exclusividade na fabricação de cigarros pelas empresas que detenham registro especial junto Secretaria da Receita Federal do Ministério da Fazenda. Assim, a inexistência ou cancelamento do referido registro implica na ilegalidade da mercadoria.

A saber, no final do ano de 2020, a ANVISA havia identificado mais de 90 marcas de cigarros sendo comercializadas irregularmente em nosso país, na forma de contrabando.

Em relação às penalidades, destaca-se que o legislador atribuiu uma maior reprovabilidade à prática do contrabando, cominando pena de reclusão de 02 a 05 anos. Ao descaminho, a pena de reclusão varia de 01 a 04 anos. Registre-se que esse aumento de pena para o contrabando foi uma das mudanças implementadas com a alteração legislativa de 2014. Importante mencionar também que, em ambos os crimes, a pena é aplicada em dobro quando praticados em transporte aéreo, marítimo ou fluvial.

Bueno, até aqui já identificamos as principais diferenças entre os dois tipos penais, assim como fizemos uma análise mais específica acerca do cigarro, como produto importado ilegalmente.

Passemos agora a um segundo questionamento: quem comercializa produto contrabandeado ou fruto de descaminho aqui no Brasil pratica qual crime?

Se você pensou em receptação (180 do CP), não está totalmente enganado, pois, realmente, a conduta de expor à venda produto de crime, configura receptação qualificada. Entretanto, tratando-se dos crimes em estudo, o ordenamento prevê outra tipificação. Quem vende, expõe à venda ou mantêm em depósito as mercadorias fruto de descaminho ou contrabando incorre nas mesmas penas previstas para esses crimes (§1° dos artigos 334 e 334-A do CP).

Com isso, a receptação de mercadoria contrabandeada ou fruto de descaminho acaba recebendo uma pena mais branda do que as receptações de produtos decorrentes dos outros crimes em geral.

Exemplificando: uma joalheria que vender um brinco de ouro roubado responderá por receptação qualificada (art. 180, §1 do CP), com pena de reclusão de 3 a 8 anos; já o mercado que vender cigarro contrabandeado, pode ser punido com 2 a 5 anos de reclusão; e, o restaurante que vender vinho, fruto da prática de descaminho, está sujeito à pena de 1 a 4 anos de reclusão.

Em apertada síntese, concluímos que o advento da Lei 13.008/14 promoveu não só a distinção dos dois tipos penais, como também reconheceu maior grau de reprovabilidade ao crime de contrabando, cominando a ele pena superior em relação ao descaminho. Por fim, é notável que os crimes aqui abordados estão cada vez mais presentes em nosso cotidiano, justificando, assim, a relevância deste estudo.

Por João Paulo Gelain Cichelero

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