Direito ao Esquecimento é incompatível com a Constituição Federal, decide STF.

Novo posicionamento: Direito ao Esquecimento é incompatível com a Constituição Federal, decide STF.

 “A humanidade, ainda que queira suprimir o passado, ainda é obrigada a revivê-lo”, diz Ricardo Lewandowski.

Em novembro de 2020, foi publicado em nosso site um artigo[1] sobre o direito ao esquecimento, onde se afirmou que tal instituto detinha respaldo constitucional no Brasil, por ser um derivado dos direitos à vida privada, à intimidade e à honra. Ainda, foi trazido à baila o entendimento do Conselho da Justiça Federal, adotado em 2013 no Enunciado 531, que o reconheceu como direito garantidor da dignidade da pessoa humana.

Entretanto, naquela oportunidade, não obstante o assentimento como direito implícito no Ordenamento, foi alertado sobre o contrassenso que poderia ser criado com a aplicação desmedida do instituto. Seria possível chegarmos à conclusão absurda de que o direito ao esquecimento teria o condão de tornar uma informação verdadeira e lícita em ilícita pelo simples decurso do tempo.

Agora, o Supremo Tribunal Federal editou nova tese sobre o assunto. Por decisão majoritária, na última quinta-feira, 11 de fevereiro de 2021, o STF concluiu que é incompatível com a Constituição Federal a ideia de um direito ao esquecimento que possibilite impedir, em razão da passagem do tempo, a divulgação de fatos ou dados verídicos em meios de comunicação.

O Tribunal, por maioria dos votos, negou provimento ao Recurso Extraordinário (RE) 1010606, com repercussão geral reconhecida, em que familiares da vítima de um crime de grande repercussão nos anos 1950 no Rio de Janeiro buscavam reparação pela reconstituição do caso, em 2004, no programa “Linha Direta”, da TV Globo, sem a sua autorização.

Após extenso debate, a tese de repercussão geral firmada no julgamento foi a seguinte:

“É incompatível com a Constituição Federal a ideia de um direito ao esquecimento, assim entendido como o poder de obstar, em razão da passagem do tempo, a divulgação de fatos ou dados verídicos e licitamente obtidos e publicados em meios de comunicação social – analógicos ou digitais. Eventuais excessos ou abusos no exercício da liberdade de expressão e de informação devem ser analisados caso a caso, a partir dos parâmetros constitucionais, especialmente os relativos à proteção da honra, da imagem, da privacidade e da personalidade em geral, e as expressas e específicas previsões legais nos âmbitos penal e civel”.

Ao votar pelo desprovimento do recurso, a ministra Cármen Lúcia afirmou que não há como extrair do sistema jurídico brasileiro, de forma genérica e plena, o esquecimento como direito fundamental limitador da liberdade de expressão e, portanto, “como forma de coatar outros direitos à memória coletiva”. Cármen Lúcia fez referência ao direito à verdade histórica no âmbito do princípio da solidariedade entre gerações e considerou que não é possível, do ponto de vista jurídico, que uma geração negue à próxima o direito de saber a sua história.

Nesta esteira, o ministro Ricardo Lewandowski, acompanhando também o relator, ministro Dias Toffoli, votou pelo desprovimento do recurso afirmando que a liberdade de expressão é um direito de capital importância, ligado ao exercício das franquias democráticas. No seu entendimento, enquanto categoria, o direito ao esquecimento só pode ser apurado caso a caso, em uma ponderação de valores, de maneira a sopesar qual dos dois direitos fundamentais (a liberdade de expressão ou os direitos de personalidade) deve ter prevalência.

Por outro lado, o ministro Gilmar Mendes votou pelo parcial provimento do RE, acompanhando a divergência apresentada pelo ministro Nunes Marques. Com fundamento nos direitos à intimidade e à vida privada, Mendes entendeu que a exposição humilhante ou vexatória de dados, da imagem e do nome de pessoas (autor e vítima) é indenizável, ainda que haja interesse público, histórico e social, devendo o tribunal de origem apreciar o pedido de indenização. O ministro concluiu que, na hipótese de conflito entre normas constitucionais de igual hierarquia, como no caso, é necessário examinar de forma pontual qual deles deve prevalecer para fins de direito de resposta e indenização, sem prejuízo de outros instrumentos a serem aprovados pelo Legislativo.

Direito ao Esquecimento é incompatível com a Constituição Federal

Entende-se, por fim, que a tese da Suprema Corte carrega consigo grande senso de justiça, pois violações acontecidas no passado devem, sim, serem lembradas a título de exemplo para nunca mais serem possíveis no futuro. Nesse mesmo diapasão, a ministra Cármen Lúcia propôs a seguinte reflexão: “Quem vai saber da escravidão, da violência contra mulher, contra índios, contra gays, senão pelo relato e pela exibição de exemplos específicos para comprovar a existência da agressão, da tortura e do feminicídio?”. Ademais, quaisquer abusos ou excessos decorrentes dos direitos de liberdade de expressão e informação ficam sujeitos à análise a partir dos parâmetros constitucionais de proteção à honra, à imagem, privacidade, etc. Portanto, feliz posicionamento do Supremo Tribunal Federal.

 

Referências: https://portal.stf.jus.br

 

Sarandi/RS, 18 de fevereiro de 2021.

[1] Autoria de João Paulo Gelain Cichelero, publicado em 23 de novembro de 2020, disponível em <https://www.advogadosfornari.com.br/direito-ao-esquecimento/>.  

 

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